"Se é pecador, não sei. O que sei é que eu era cego e agora vejo.” Jo 9, 25
Há muitos tipos de cegueiras.
Dos olhos, dos preconceitos, do coração...
Involuntárias e voluntárias...
A cegueira de ficar preso ao passado e a de só ter olhos para o futuro.
Ver é um dom, um caminho e também a possibilidade de interpretar o visível, quando não, até “ver o invisível”, esse essencial de que falava Saint-Exupéry, apenas acessível pelo coração.
Mas também vemos com os que nos rodeiam, e dos muitos pontos de vista podemos ver melhor.
As leituras deste Domingo propõem o tema da “luz”. Definem a experiência cristã como “viver na luz”.
Para o cego, que só vê Jesus no final, a identidade de Jesus vai-se aclarando com os interrogatórios: primeiro é “esse homem que se chama Jesus”, depois “um profeta”, “se Ele não viesse de Deus nada podia fazer”, até o reconhecer com “Senhor”.
Por entre as dificuldades sentimos crescer a coragem e a audácia deste homem. Já não é um “coitadinho” (exclamação que certamente ouviu muitas vezes), mas alguém com voz própria, capaz de atrapalhar a lógica escurecida e fechada dos fariseus e dos judeus, interpelando com ironia, e denunciando a cegueira de quem tudo afirma saber mas não está disposto a deixar-se interpelar por Cristo.
É tão fácil colar rótulos, de “pecador”, como a este homem, ou tantos outros que prolongam a cegueira de quem os pronuncia, rejeitando as pessoas e o que se pode aprender com elas!
Quando o cego que passou a ver é expulso, sem família e sem religião, sem herança nem abrigo (e talvez sem “emprego”, pois dum cego sempre há quem se compadeça e deixe algumas moedas nas suas mãos), Jesus vem ao seu encontro.
Sempre me confrontará esta predileção de Deus pelos excluídos, pelos abandonados, pelos que não têm lugar nos nossos círculos familiares e religiosos, mas sempre encontrarão lugar no coração de Deus.
De Jesus conheceria aquele homem, o toque das mãos e o timbre da voz. O rosto nunca o tinha visto. E contudo já o seu coração estava próximo dele. O breve diálogo conduz à fé, a verdadeira iluminação, a passagem à visão verdadeira que só Jesus pode oferecer.
Afinal quem julgava ver é que era cego.
E nós somos cegos?